segunda-feira, 30 de maio de 2016

Perspetiva histórica do Direito Inglês e a sua influência no sistema administrativo

Com o objetivo de fixar semelhanças e diferenças entre os sistemas administrativos francês (executivo) e britânico (judicial), é importante recordar alguns momentos da história inglesa, que nos
informam a razão de ser do sistema administrativo.

Nos dias de hoje, o Reino Unido apresenta-se como um sistema político de cariz marcadamente parlamentar, sendo composto pela Coroa, a Câmara dos Lordes e a Câmara dos Comuns. Mas até aqui chegarmos, vejamos como o Direito se constituiu.

Entre os séculos I a V a.c. vigoraram três tipos de direito: o Direito Romano, o Ius Gentium e o Direito Local. No entanto, com o Édito de Caracala, em 212 d.c., o Direito Romano prevalece.

Com as sucessivas invasões bárbaras e a queda do império romano, o direito inglês sofreu profundas alterações. As tribos instaladas foram criando, sob uma forma muito primitiva, o seu próprio sistema para a resolução de conflitos. Com isto, as comunidades resolvem os problemas em assembleias gerais. É possível dizer que estas reuniões estiveram na origem dos primeiros tribunais –hundred court -.

Com a evolução natural dos povos e o contacto entre povoações, que favoreceu a comunicação entre regiões, a resolução de litígios começou a ter um alcance regional – shire courts -.

É, desta forma, que podemos começar a perceber a organização do sistema não só judicial como administrativo no Reino Unido. Há, por um lado, as assembleias de cariz local, e, por outro, o Tribunal do Rei – King’s Court.

Mas quando o Governo se tornou mais complexo deu-se uma diferenciação: havia certos nobres e clérigos que estavam sempre junto do Rei e o acompanhavam por toda a parte, auxiliando-o a despachar os negócios públicos e a julgar os processos judiciais, enquanto a maioria dos barões e dos prelados residia nas suas terras e só vinha ter com o Rei quando este os convocava (…)”. [i] 

Neste sentido, começa por haver uma clara descentralização, pelo que localmente, as assembleias tinham autonomia quase total em relação ao poder central, neste caso o Rei, mas não existia um sistema jurídico comum a todo o país.

Durante o período normando, o Reino Unido regressou à influência latina com algumas alterações no sistema jurídico do Estado. Foi por essa altura, sob o reinado de Henry II, que se começou a construir a Common Law como hoje a conhecemos.

Também conhecido pelo Pai da Common Law, Henry II institucionalizou a Common Law criando um sistema unitário e comum a todo o reino. Nasce, assim, a “Rule of Law”, isto é, a sujeição da Administração ao Direito Comum. Quer o Rei, quer os súbditos estavam sujeitos ao mesmo Direito e, consequentemente, aos mesmos tribunais.

Existem, então, três tribunais centrais: Exchequer of pleas (matéria fiscal); Common pleas (matéria geral); King’s Bench (matérias que envolvessem a Coroa). 

No entanto, apesar de não se terem abolido os costumes locais, o Direito Comum vem substitui-los.

Segundo, o Prof. Dário Moura Vicente é possível salientar duas conclusões neste período normando, a primeira é a importância da jurisprudência como fonte de direito em Inglaterra, que está ligada à afirmação do pode real através da centralização administração judiciária; a segunda, parte da ideia de que este não resultou de um ato de autoridade, mas de escolha dos súbditos.

Posto isto, instituem-se os Writs, que duraram até ao final do séc. XIX.

“(…) os tribunais reais tinham em Inglaterra, formalmente, carácter excecional: os tribunais comuns eram os de condado (county courts), os quais aplicavam o Direito Consuetudinário local. Recorrer a esses tribunais não era, pois, propriamente um direito, mas antes um privilégio reconhecido por uma autoridade régia. Esse reconhecimento tinha lugar através de uma ordem (writ) emitida pelo chanceler (Lord Chancellor) em nome do rei. Tratava-se de um documento que, por um lado, certificava a existência de uma ação apropriada à pretensão do autor e, por outro, ordenava a comparência do réu perante um tribunal real”. [ii]

O sistema de writs serviu de base para o sistema judicial inglês por um longo período de tempo. A cada litígio teria de haver um regime correspondente, por isso, se costumava dizer “no writ, no right” (sem writ não há direito). Isto implicava a existência prévia de uma forma de atuação, tendo como objetivo limitar as ações do Rei e dos tribunais perante os casos concretos, preservando-se assim a característica já referida da descentralização do sistema judicial.
Com o passar dos anos, tornou-se impossível, burocraticamente, continuar neste sistema de individualização processual de cada tipo de litígio e, por isso, em meados do séc. XIV, no reinado de Edward III, o sistema encontrava-se já estagnado. Na mesma altura, em paralelo, começou a desenvolver-se a Equity Law.

O que sucedeu com os writs, aconteceu também com a atuação dos tribunais, que paralisou. Em poucas gerações, a Commom Law estava totalmente ultrapassada.
Posto isto, os súbditos viram-se impossibilitados de recorrer aos tribunais centrais e viraram-se para o Rei e para os seus conselheiros. Estes socorreram-se de mecanismos gerais e abstratos para resolver os litígios, nascendo assim a Equity Law.

Há, no entanto, a unificação destes dois sistemas, no entanto, ficou sempre ressalvada a ideia de que prevalecia a Equaty Law.

Fortemente marcada pelo seu desenvolvimento processual, o sistema administrativo inglês dava garantias aos particulares contra as ilegalidades praticadas pela Administração Pública. E isto reflete-se na limitação da mesma em executar as decisões proferidas por autoridade própria.

Estas últimas características são inerentes à história inglesa e resultado dos pilares centrais do seu Direito: a Separação de Poderes e o Estado de Direito.
De igual modo, estes dois pilares do sistema administrativo inglês são a base também do sistema administrativo francês, onde aqui podemos encontrar outros contornos, sem todavia reconhecer-lhes algumas semelhanças.

De resto, a própria história concedeu ao Reino Unido a capacidade singular de formar um sistema não só administrativo, mas judicial muito próprio e distinto. 



[i][i] Caetano, Marcello, Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, tomo I, Almedina, pág. 50.
[ii] Moura Vicente, Dário, Manual de Direito Comparado, volume I 3ª edição, Almedina, pág. 233.

Isabel Rodrigues, nº 15613

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