Com o
objetivo de fixar semelhanças e diferenças entre os sistemas administrativos
francês (executivo) e britânico (judicial), é importante recordar alguns momentos
da história inglesa, que nos
informam a razão de ser do sistema administrativo.
Nos dias
de hoje, o Reino Unido apresenta-se como um sistema político de cariz
marcadamente parlamentar, sendo composto pela Coroa, a Câmara dos Lordes e a
Câmara dos Comuns. Mas até aqui chegarmos, vejamos como o Direito se constituiu.
Entre os
séculos I a V a.c. vigoraram três tipos de direito: o Direito Romano, o
Ius Gentium e o Direito Local. No entanto, com o Édito de Caracala, em 212 d.c.,
o Direito Romano prevalece.
Com as
sucessivas invasões bárbaras e a queda do império romano, o direito inglês
sofreu profundas alterações. As tribos instaladas foram criando, sob uma forma
muito primitiva, o seu próprio sistema para a resolução de conflitos. Com isto,
as comunidades resolvem os problemas em assembleias gerais. É possível dizer
que estas reuniões estiveram na origem dos primeiros tribunais –hundred court
-.
Com a
evolução natural dos povos e o contacto entre povoações, que favoreceu a
comunicação entre regiões, a resolução de litígios começou a ter um alcance
regional – shire courts -.
É, desta
forma, que podemos começar a perceber a organização do sistema não só judicial
como administrativo no Reino Unido. Há, por um lado, as assembleias de cariz
local, e, por outro, o Tribunal do Rei – King’s Court.
“Mas quando o Governo se tornou mais complexo deu-se uma diferenciação:
havia certos nobres e clérigos que estavam sempre junto do Rei e o acompanhavam
por toda a parte, auxiliando-o a despachar os negócios públicos e a julgar os
processos judiciais, enquanto a maioria dos barões e dos prelados residia nas
suas terras e só vinha ter com o Rei quando este os convocava (…)”. [i]
Neste
sentido, começa por haver uma clara descentralização, pelo que localmente, as
assembleias tinham autonomia quase total em relação ao poder central, neste
caso o Rei, mas não existia um sistema jurídico comum a todo o país.
Durante o período
normando, o Reino Unido regressou à influência latina com algumas alterações
no sistema jurídico do Estado. Foi por essa altura, sob o reinado de Henry II,
que se começou a construir a Common Law como hoje a conhecemos.
Também
conhecido pelo Pai da Common Law, Henry II institucionalizou a Common Law
criando um sistema unitário e comum a todo o reino. Nasce, assim, a “Rule of
Law”, isto é, a sujeição da Administração ao Direito Comum. Quer o Rei, quer os
súbditos estavam sujeitos ao mesmo Direito e, consequentemente, aos mesmos
tribunais.
Existem,
então, três tribunais centrais: Exchequer of pleas (matéria fiscal); Common
pleas (matéria geral); King’s Bench (matérias que envolvessem a Coroa).
No
entanto, apesar de não se terem abolido os costumes locais, o Direito Comum vem
substitui-los.
Segundo,
o Prof. Dário Moura Vicente é possível salientar duas conclusões neste período
normando, a primeira é a importância da jurisprudência como fonte de direito em
Inglaterra, que está ligada à afirmação do pode real através da centralização
administração judiciária; a segunda, parte da ideia de que este não resultou de
um ato de autoridade, mas de escolha dos súbditos.
Posto
isto, instituem-se os Writs, que duraram até ao final do séc. XIX.
“(…) os tribunais reais tinham em Inglaterra, formalmente, carácter excecional:
os tribunais comuns eram os de condado (county courts), os quais aplicavam o
Direito Consuetudinário local. Recorrer a esses tribunais não era, pois, propriamente
um direito, mas antes um privilégio reconhecido por uma autoridade régia. Esse reconhecimento
tinha lugar através de uma ordem (writ) emitida pelo chanceler (Lord
Chancellor) em nome do rei. Tratava-se de um documento que, por um lado, certificava
a existência de uma ação apropriada à pretensão do autor e, por outro, ordenava
a comparência do réu perante um tribunal real”. [ii]
O
sistema de writs serviu de base para o sistema judicial inglês por um longo
período de tempo. A cada litígio teria de haver um regime correspondente, por
isso, se costumava dizer “no writ, no right” (sem writ não há direito). Isto
implicava a existência prévia de uma forma de atuação, tendo como objetivo
limitar as ações do Rei e dos tribunais perante os casos concretos, preservando-se
assim a característica já referida da descentralização do sistema judicial.
Com o passar dos anos,
tornou-se impossível, burocraticamente, continuar neste sistema de
individualização processual de cada tipo de litígio e, por isso, em meados do
séc. XIV, no reinado de Edward III, o sistema encontrava-se já estagnado. Na
mesma altura, em paralelo, começou a desenvolver-se a Equity Law.
O que
sucedeu com os writs, aconteceu também com a atuação dos tribunais, que
paralisou. Em poucas gerações, a Commom Law estava totalmente ultrapassada.
Posto isto, os súbditos
viram-se impossibilitados de recorrer aos tribunais centrais e viraram-se para
o Rei e para os seus conselheiros. Estes socorreram-se de mecanismos gerais e
abstratos para resolver os litígios, nascendo assim a Equity Law.
Há, no
entanto, a unificação destes dois sistemas, no entanto, ficou sempre ressalvada
a ideia de que prevalecia a Equaty Law.
Fortemente
marcada pelo seu desenvolvimento processual, o sistema administrativo inglês dava
garantias aos particulares contra as ilegalidades praticadas pela Administração
Pública. E isto reflete-se na limitação da mesma em executar as decisões
proferidas por autoridade própria.
Estas últimas
características são inerentes à história inglesa e resultado dos pilares
centrais do seu Direito: a Separação de Poderes e o Estado de Direito.
De igual modo, estes dois
pilares do sistema administrativo inglês são a base também do sistema
administrativo francês, onde aqui podemos encontrar outros contornos, sem
todavia reconhecer-lhes algumas semelhanças.
De
resto, a própria história concedeu ao Reino Unido a capacidade singular de
formar um sistema não só administrativo, mas judicial muito próprio e
distinto.
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