DO REGIME DOS PARECERES NO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO
O Código do Procedimento Administrativo
(doravante CPA), aprovado pelo Decreto-Lei n.o 4/2015, de
07 de janeiro tem no seu seio, artigos, nomeadamente os 91.º e 92.º, dedicados
ao regime jurídico dos pareceres, sendo que o mesmo regime é também citado no Título
I (regime comum) da Parte III que se prende com a questão do procedimento
administrativo. Ambos os artigos reproduzem o texto de artigos do CPA revogado; a saber, no caso do artigo 91.º do CPA, o
98.º e, no que se reporta ao artigo 92.º,
os n.os 1, 3 e
5 repetem o texto (com ligeiras
modificações) do artigo 99.º, n.os 1 a 3 do
CPA revogado. Os incisos 2, 4 e 6 do artigo 92.º do CPA apresentam
inovações em matéria parecerística.
Os pareceres
são estudos documentados sobre questões científicas, técnicas ou
jurídicas, cuja elaboração é da responsabilidade de
órgãos administrativos por determinação da lei ou do órgão responsável pelo
procedimento. Concomitantemente, a emissão dos pareceres resulta da prerrogativa
de um órgão administrativo de ter poderes de administração consultiva, e
cujo exercício é feito no âmbito de um procedimento administrativo, enquanto
trâmite necessário ou facultativo para a tomada da decisão sobre um determinado
assunto pelo órgão da administração ativa.
Como veremos
adiante os pareceres previstos em lei, consubstanciando-se como trâmite de
formação do ato conclusivo do procedimento, tomam a configuração de "pareceres
oficiais", mas tal facto não impede o órgão responsável pelo procedimento
de solicitar a sua emissão a trabalhador em funções públicas, impelindo,
destarte, a criação de um ato instrutório. Na verdade, a relação jurídica de
emprego público soçobrará, no exercício da função consultiva, quando o
trabalhador atue no procedimento para o desenvolvimento de funções no âmbito
das atribuições, competências e atividades reservadas – obrigando-o a ter
vínculo de emprego constituído por nomeação, integrando uma carreira especial
ou geral. A emissão de pareceres, em atividades não reservadas, deve ser exercida
por trabalhadores integrados na carreira de técnico superior, porquanto é a
estes que funcionalmente compete a elaboração de pareceres.
Quando se
fala em pareceres, cumpre, numa primeira instancia, distinguir entre pareceres
obrigatórios e não obrigatórios e pareceres vinculativos e não vinculativos,
devendo a leitura do seu regime ser interpretada conjuntamente. Vejamos,
Por
pareceres obrigatórios entende-se os que são exigidos por lei, sendo os restantes
pareceres – e por maioria de razão – não obrigatórios. Estes, na circunstância
de terem sido emitidos por órgãos administrativos comportam-se como
"pareceres oficiais", sobressaindo em sede de fundamentação dos atos
administrativos, mas revelando-se ineficazes para o efeito de contagem dos
prazos decisórios.
Já no que
diz respeito aos pareceres vinculativos, há a considerar que determinam que as
suas conclusões tenham de ser seguidas pelo órgão decisor, sendo os que
manifestam procedimento diverso, não vinculativos.
Quanto aos
pareceres obrigatórios e vinculativos, e porque são exigidos por lei, veem as
suas conclusões constituir-se como determinantes do conteúdo do ato final do
procedimento. Por outro lado, comportamento distinto têm os pareceres não
obrigatórios e vinculativos uma vez que, por não serem exigidos por lei, é a
sua emissão que vai determinar o conteúdo do ato final do procedimento.
No que
respeita aos pareceres obrigatórios e não vinculativos, cumpre dizer que,
embora sejam exigidos por lei, as suas conclusões não obrigam, contudo, o órgão
decisor a atendê-las para proceder à definição da situação jurídica a regular
pelo ato conclusivo do procedimento.
Finalmente,
quanto aos pareceres
não obrigatórios e não vinculativos cumpre declarar que não são exigidos mas
permitidos por lei, e a sua emissão não vincula o órgão decisor na formação do
ato conclusivo do procedimento.
Os pareceres
podem ser absoluta ou relativamente obrigatórios, atendendo aos efeitos
produzidos no procedimento em que uma norma legal exige a sua emissão, pela
violação do prazo para a sua pronúncia; assim, os pareceres absolutamente
obrigatórios são os exigidos por lei e cuja omissão da emissão, no prazo
legalmente previsto, impede a adiamento da decisão final do procedimento; já os
pareceres relativamente obrigatórios, embora exigidos por lei, ditam que a sua
não emissão no prazo legalmente previsto, não impede o prosseguimento do procedimento
(pareceres declarativos) ou determina a obrigatoriedade da emissão do ato
conclusivo do procedimento (pareceres constitutivos).
Em termos de
pareceres vinculativos podem os mesmos determinar o conteúdo do ato conclusivo
do procedimento, independentemente do sentido da pronúncia efetuada com a
consulta (procedimento vinculativo geral), ou «apenas quando as conclusões do mesmo determinam a emissão de um ato
conclusivo positivo ou negativo do procedimento» (procedimento vinculativo
especial ou conforme).
Assim
entendido, percebe-se a validade do verdadeiro poder decisório que assiste à
entidade que emite o parecer totalmente vinculativo, já que o seu parecer tem
um efeito conformativo na
decisão final, id est, ao órgão
principal não lhe restará senão respeitar o parecer elaborado, quer ele seja
favorável, quer seja desfavorável. Quanto aos pareceres parcialmente
vinculativos, dir-se-á que consistem na pronúncia sobre apenas alguns aspetos
presentes na pretensão formulada pelo órgão decisor.
Por regime
comum dos pareceres entendemos aquele
regulado no CPA, devendo as disposições contidas em outras leis, que regem de
forma diversa, ser vistos com o estatuto de regimes especiais. Naquele
normativo, os pareceres aí previstos ou em legislação especial são pareceres obrigatórios
e não vinculativos (cfr. artigo 91.º, n.o 2 do CPA). Assim, para que o parecer se
assuma como parecer não obrigatório ou de parecer vinculativo cumpre atentar na
existência no ordenamento jurídico de norma que expressamente preveja esse
regime.
Não há uma
posição consensual no que à natureza dos pareceres
obrigatórios e vinculativos diz respeito; efetivamente, o recurso à doutrina
estrangeira, particularmente à italiana tem acontecido como instrumento
capaz de desvendar o caráter de que são revestidos os pareceres vinculativos;
deste modo, há a evidenciar que pareceres são simples atos instrumentais, que, porque
praticados numa fase preparatória, não são passíveis de impugnação, porquanto o
seu formato de atos auxiliares não
lhes assegura a suficiente autonomia funcional. No que toca aos pareceres
vinculativos, assumem a qualidade de atos
híbridos por orientarem (e pré-fixarem) o conteúdo da decisão
final; não obstante, não são recorríveis dado que ainda se inserem numa fase
preliminar ao ato final. Relativamente aos pareceres revestidos de
vinculatividade são «autorizações à prática do
ato final, na medida em que a atividade da entidade consulente está dependente
do parecer solicitado, o qual deve seguir». Por seu turno, a doutrina
portuguesa também expõe as suas reflexões a este propósito: os pareceres, mercê
da sua qualidade vinculante, são atos jurídicos dotados de autonomia funcional, e, por
conseguinte, capazes de gerar efeitos jurídicos externos imediatos, daí advindo
a recorribilidade, característica que os destrinça dos demais tipos de
pareceres. Assim, o critério principal para apurar a natureza de um parecer
vinculante encontra o seu ponto vital na lesividade que é capaz de
causar ao interessado. De fixar ainda que o ato final
não pode ser praticado sem que o órgão consultado tome uma posição prévia que o
órgão consulente terá de acatar. Finalmente, um parecer vinculativo, é um
verdadeiro ato definitivo na medida em
que impele a entidade consultante a homologar as propostas que dele constem,
que carece dessa homologação para se tornar executório. Pelo exposto,
subjacente à natureza de um parecer obrigatório e vinculativo, está um ato
definidor da posição do órgão consulente cuja decisão final está comprometida
com a força jurídica deste tipo de pareceres. Por conseguinte, pode afirmar-se
que dado o ónus que um parecer desta natureza assume sobre a decisão final, ele
ultrapassa os meros atos instrumentais ou preparatórios, revestindo-se de uma
autonomia funcional, capaz de fazer dele um ato recorrível, face à lesão que é
passível de provocar no destinatário do ato do decisor final.
A
solicitação de consulta cabe ao órgão competente, que é o órgão responsável
pelo procedimento; no momento procedimental apropriado (de notar que o CPA não
fixa um prazo para a consulta, podendo ser estipulados em regimes especiais)
cumpre-lhe solicitar a emissão dos pareceres aos órgãos competentes para
garantir a tomada da decisão final do procedimento dentro do prazo legal de
decisão do mesmo (cfr. o artigo 92.º, n.o 2, conjugado com os aa. 56.º, 58.º e 59.º, todos do CPA). A omissão daquele
procedimento, determina a contaminação do ato conclusivo por um vício de forma.
Ao órgão
consulente cumpre assegurar que o órgão consultado emita o parecer no prazo de
30 dias, salvo quando por norma especial ou por razões objetivas (quando o
órgão consultado solicite a prorrogação do prazo de emissão do parecer) o
parecer deva ser emitido em prazo inferior ou superior, não podendo todavia
fixar prazo inferior a 15 dias e superior a 45 dias (cfr. o artigo 92.º, n.os 3 e 4 do
CPA). O encurtamento do prazo regra, se não fundamentado pelo órgão
consulente, não vincula o órgão consultado, permitindo-lhe a emissão do parecer
no prazo de 30 dias.
Caso se
esteja perante um parecer obrigatório (artigo
92.º, n.o 5 do CPA), a omissão da emissão do
parecer, determinará a continuação do procedimento; se porventura se tratar de
pareceres não obrigatórios tal infere-se do normal decurso do procedimento. Da
lei resulta a afirmação dos pareceres como trâmites ordenadores do procedimento, não se concretizando como
trâmites perentórios, atendendo à «possibilidade
de continuação do procedimento, pela sua omissão, e consequente emissão do ato
conclusivo do procedimento». Por conseguinte, a omissão do parecer
solicitado no prazo devido, embora violador do dever de pronúncia do órgão
consultado, parece apontar no sentido de uma mera "irregularidade".
Neste
âmbito, encontra-se a questão dos pareceres tardios, ou seja, os pareceres
emitidos findo o prazo para a sua emissão. O legislador admitiu a possibilidade
de adiamento do ato conclusivo do procedimento,
findo o prazo para a emissão do parecer. Assim, tratando-se de um parecer não
obrigatório, ao órgão decisor cabe cumprir o dever de decidir o caso concreto, mesmo
face à omissão do parecer. Nesta mesma
circunstância, a saber, o esgotar do prazo para a sua emissão e em caso de
parecer obrigatório ou vinculativo pode o órgão decisor decidir o procedimento,
mas, não tendo ainda emitido o ato conclusivo do procedimento, nada impede o
acolhimento do parecer tardio na sua formação. Dito
de outra forma, «salvo disposição em contrário, o dever de emissão do parecer não se
consome, com o esgotar do prazo para a sua emissão, mas permite que o órgão
decisor, entretanto já tenha emitido o ato conclusivo do procedimento, a quando
do recebimento do parecer tardio».
Ao órgão
consultado que possui competência consultiva (artigo 37.º do CPA) cumpre a emissão de parecer no prazo legal ou
no prazo fixado pelo órgão consulente. Nesse sentido, a solicitação de tal emissão
de parecer obrigatório será levada em conta em sede de contagem do prazo para a
decisão do procedimento. O legislador estipulou que o prazo regra de 90 dias
para a decisão dos procedimentos de iniciativa particular (artigo 128.º, n.o 1 do CPA)
se conta a partir da data da entrada do requerimento no serviço competente, a
não ser que, por disposição especial, se imponha o cumprimento de formalidades
especiais para a fase preparatória da decisão e fixe prazo para a sua conclusão
(artigo 128.º, n.o3 do CPA). Neste contexto, o parecer obrigatório
assume-se como uma "formalidade essencial", pelo que quando a lei
determine a emissão de parecer obrigatório – e não fixe prazo especial –,
dever-se-á entender que o prazo de 90 dias para a decisão do procedimento
iniciar-se-á com o esgotar do prazo de 30 dias para a emissão do parecer.
O conteúdo
dos pareceres deve ser fundamentado de facto e de direito, responder expressamente
a todas as questões indicadas na consulta, apresentando, para tanto, conclusões
(artigo 92.º, n.o 1 do CPA). Não se
descurou o facto de o órgão decisor do procedimento poder restringir a
fundamentação do ato administrativo ao conteúdo do parecer, pela aposição da
declaração de concordância (artigo
153.º, n.o 1 do CPA). A fundamentação veiculada
estritamente por adesão ao parecer não será aceitável quando aquele sustente
"opiniões divergentes quanto a verificação dos respectivos pressupostos
ou, então, quando se referir a opinião que tiver ponderado e criticado as
razões da opinião contrária" ou quando se
socorra o ato administrativo de vários pareceres e informações, "não sendo
tais elementos inteiramente coincidentes". O parecer fundamentado em
bases pouco consistentes, quando acolhido pelo ato administrativo, determina a
ilegalidade deste, por falta de fundamentação (artigo 153.º, n.o 2 do CPA).
Nas
situações em que o órgão consultado tenha a natureza de órgão colegial as
deliberações são acompanhadas das declarações de voto (artigo 35.º, n.o 3 do CPA).
Aos titulares
dos órgãos da Administração e os respetivos agentes fica vedada a possibilidade
de intervenção em procedimento administrativo ou em ato, quando tenham dado
parecer sobre a questão a resolver (artigo
69.º, n.o 1, alínea
d) do CPA), a menos que tenham
praticado a competência consultiva na qualidade de membro do órgão colegial, e
a emissão do parecer esteja prevista na norma aplicável (artigo 69.º, n.o 2, alínea b) do CPA).
Para lá da
questão da fundamentação do parecer outro aspeto deve merecer reflexão: a
imparcialidade a que o órgão consultado está obrigado. O órgão consultado não
pode em circunstância alguma ser induzido a opinar da forma que eventualmente a
Administração gostaria, tal como é inconcebível que sobre ele a Administração
tenha qualquer supremacia, capaz de coagir ou submeter o órgão consultivo a si.
Deste modo, a única relação passível de existir entre a entidade decisora e a
entidade consultiva é uma relação de cooperação e colaboração.
Ariana Nunes Paraíso, nº 22253
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