segunda-feira, 30 de maio de 2016

Princípio da Imparcialidade

A origem da noção de imparcialidade vem do Direito Processual e da pratica dos tribunais, existindo uma imparcialidade dos juízes, visto que com duas partes com interesses em disputa, era necessário existir um terceiro com autoridade detentor de uma posição acima das partes, sem tomar partido de nenhuma.
No código de processo administrativo dispõe sobre o exercício justo e imparcial que a Administração na sua actividade, deva manter, em relação a todos, devendo tomar decisões com base em critérios objectivos e do interesse publico, adequados as suas funções, longe de esferas de influencia de interesses sejam estes pessoais ou políticos.

"Os  agentes administrativos ajam de forma isenta e equidistante relativamente aos interesses e, jogo nas situações que devem decidir ou sobre as quais se pronunciam sem carácter decisório"

A mais recente jurisprudência vem atribuir relevância a imparcialidade e transparência da actuação administrativa.

O Princ. da imparcialidade possui duas vertentes:

Uma vertente negativa, que consiste na ideia de que os órgão e agente da A.P. estão impedidos de intervir em procedimentos que dizem respeito a questões do seu interesse, ou círculos familiares e relações de proximidade, a fim de excluir-se de suspeita na sua conduta.
Existindo uma situação de impedimento ou de suspeita, é obrigatório por lei a a substituição do órgão ou agente, por outro competente que tomará a decisão no seu lugar.( em situações de suspeita é apenas possível a substituição, tendo de ser requerida pelo mesmo órgão).

Existe uma divergência quanto ao sentido da lei sobre o assunto, se a lei deva ser interpretada a letra, ( não intervenção no processo de qualquer forma e ou momento); ou apenas serão proibidas as decisões e actos que levam a decisão final, sendo licitas actos meramente formais e neutros.

Uma vertente Positiva, que apresenta o dever da A.P. a ponderar todos os interesses públicos e privados, relevantes para decisão final, existindo uma obrigação de ponderação comparativa entre as partes, sendo possível por um juiz a anulação dos actos que tenham sido praticados sem a ponderação necessária, que pode ser detectada através de uma analise da fundamentação do acto decisório final.

Quais a sanções para a violação deste principio?

Segundo o CPA, todos os actos realizados por um órgão ou agente impedido de intervir podem ser anuláveis (actos ilegais). A não comunicação destes actos leva a uma falta disciplinar grave e a perda de mandato aos membros  de um órgão autárquico envolvidos.

Portanto é justo dizer que este regime de imparcialidade esta ligado a justiça, criado para estabelecer uma relação de confiança na A.P., por parte dos cidadãos, na tomada de decisões que influenciam a sua esfera jurídica.


Guilherme Lopes nº26645

O Princípio da Legalidade nas Constituições Portuguesas

O princípio da legalidade encontra-se consagrado na Constituição de República Portuguesa desde a Constituição de 1976, embora a sua origem anteceda ao período liberal entre os séculos XVIII e XIX.
Marcado pelo corte com a política do Estado Absoluto (monarquia limitada) e do Estado Polícia (monarquia absoluta), onde a existência de um poder total do monarca (prerrogativa régia) fazia com que este não estivesse sujeito ao Direito, e onde a intervenção do Estado no domínio privado era avassaladora, o período do Estado Liberal abre caminho para a defesa da esfera social e individual, limitando o poder estatal a nível jurídico e a nível político.
Competiu a Rousseau, através do seu pensamento crítico feito à sociedade e ao poder político, “teorizar” acerca da ideia do princípio da legalidade. Com base no seu livro, “O Contrato Social” de 1762, onde o filósofo francês descreve a sua teoria sobre o “mito do bom selvagem” - ideia de que o homem nasce livre e bom, mas que é posteriormente corrompido pela sociedade - e a passagem de um “estado natureza” ao “estado de sociedade”, emergem valores de garantia de igualdade e liberdade sociais e individuais e forte crítica ao poder dos mais ricos e mais fortes que conseguem, através de um “contrato social falso”, impor-se aos mais podres e mais fracos. A dura batalha de Rousseau consistiu em, através de um “contrato social honesto”, onde os homens existem todos por igual e livres, mudar o regime político e o sistema de governo. “É um programa de ação política; é um projeto de Revolução; e é um projeto de nova Constituição[1], apela Rousseau aos homens do futuro.
E, penso que com a sua marca deixada na história do pensamento político e filosófico do seu tempo, Rousseau chega aos nossos tempos com grande relevo.
O princípio da legalidade abrange duas modalidades. São elas, a preferência de lei e a reserva de lei.
A primeira veda à administração que contrarie o direito vigente, que em casa de conflito preferirá ao acto administração em causa – preferência de lei. Na segunda, exige-se que a atuação administrativa, mesmo que contrária ao direito, tenha fundamento numa norma jurídica, à qual está reservada a definição primária das atuações possíveis – reserva de lei.[2]
Ainda sobre a reserva de lei, esta divide-se em precedência de lei e reserva de densificação normativa, ou seja, a existência de um “critério de regulação da intensidade da normação legislativa: da intensidade mínima postulada pela reserva de função (competência e fim) à intensidade máxima exigida pela reserva parlamentar (vinculação, no essencial, do conteúdo) ”.[3]

É ainda importante fazer referência à forma como foi tratado o princípio da legalidade nos regimes autoritários de direita e nos sistemas comunistas.

Nos regimes autoritários de direita, de que fez parte a Constituição Portuguesa de 1933, o princípio da legalidade continua a existir, mas com outros contornos. A noção de legitimidade democrática dos séculos passados perdeu-se e configura-se a subordinação da atuação administrativa ao poder executivo, ou seja, ao Governo, que passa a legislar sob a forma de decretos-lei. Assim, o princípio de legalidade torna-se uma garantia de proteção do Estado, sendo que só em segundo plano atinge os particulares. 

Em regimes comunistas, o princípio da legalidade fica esvaziado da sua força limitadora, passando a ser uma ferramenta de trabalho do partido único (comunista). Fala-se, então, de uma legalidade comunista, onde a legitimidade resulta da interpretação dos ditamos proferidos pela ideologia comunista.
Apesar de a sua consagração constitucional só ter acontecido na Constituição de 1976, podemos verificar que, ao longo dos textos constitucionais portugueses, há referência não ao princípio da legalidade como o conhecemos no artigo 266º do CRP, mas à ideia de conduta conforme a lei, seja ela geral ou especial. 
Vejamos.   

v  Constituição de 1822
A)     Base da Constituição
Secção II – Da Nação Portuguesa, Sua Religião, Governo e Dinastia
18º - O seu Governo é a Monarquia constitucional hereditária, com leis fundamentais que regulem o exercício dos três poderes políticos

B)      Constituição de 23 de Setembro de 1822
Título II – Da Nação Portuguesa, e seu Território, Religião, Governo e Dinastia
Capítulo Único
Artigo 29 – O Governo da Nação Portuguesa é a Monarquia constitucional hereditária, com leis fundamentais que regulem o exercício dos três poderes políticos.
Artigo 30 – Estes poderes são legislativo, executivo e judicial. O primeiro reside nas Cortes com dependência da sanção do Rei (arts. 101º, 111º e 112º). O segundo está no Rei e nos Secretários de Estado, que exercitam debaixo da autoridade do mesmo Rei. O terceiro está nos Juízes.

Título VI – Do Governo Administrativo e Económico
Capítulo I – Dos Administradores gerais e das juntas de Administração
Artigo 217º - A lei designará explicitamente as atribuições dos Administradores gerais e das Juntas de administração; as fórmulas dos seus atos; o número, obrigações e ordenado de seus oficiais; e tudo o que convier ao melhor desempenho desta instituição. 

Nesta fase, D. João VI era o rei de Portugal e o país vivia um momento marcante para a história e para a política portuguesa. A Constituição de 1822 foi o primeiro texto constitucional depois do fim da monarquia absoluta, que marcou o início da democracia parlamentar no nosso país. Deu-se após as revoluções liberais, no Porto, e surgiu através dos trabalhos das Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes.
O primeiro texto constitucional teve influência das Constituições Francesas de 1871 e 1875 e da Constituição Espanhola de Cádis de 1812 e mostrou-se embebida do espírito liberal da Europa, trazido com os princípios de Liberdade, Igualdade e Fraternidade da Revolução Francesa, em 1789.
A concretização do princípio da separação de poderes foi uma realidade nesta Constituição que, apesar de ditar a existência de três poderes (legislativo, executivo e judicial), continuava a conferir ao Rei poder e supremacia. É a chamada monarquia limitada, referida epígrafe, onde o representante do poder executivo detinha também funções legislativas como o direito de veto suspensivo sobre as Cortes, embora fosse obrigado a promulga-las desde que as Cortes voltassem a deliberar. Apesar de tudo, a sua figura era praticamente inviolável e, nesse sentido, podemos considerar que, nesta fase, ainda estaríamos longe do princípio da legalidade como fundamento de garantia democrático, na medida em que o Direito à margem do monarca.

v  Carta Constitucional de 1826 de 29 de Abril de 1826

Título I – Do Reino de Portugal, seu Território, Governo, Dinastia e Religião
Artigo 4º - O seu Governo é Monárquico, Hereditário e Representativo.

Título V – Do Rei
Capítulo I – Do Poder Moderador
Artigo 71º - O Poder Moderador é a chave de toda a organização política, e compete privativamente ao Rei, como Chefe Supremo da Nação, para que incessantemente vele sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos mais poderes políticos.

A Carta Constitucional, que foi outorgada pelo rei D. Pedro IV (D. Pedro I, do Brasil), teve a influência da Constituição Brasileira de 1824, da Constituição Francesa de 1814 e, também, da anterior constituição portuguesa. Esteve em vigor 72 anos e revelou-se muito menos revolucionária do que a missiva anterior, mas manteve o caracter liberal trazido dos finais do séc. XVIII.

A inovação na Carta Constitucional é a criação do poder moderador que funciona como quarto poder e através deve evidencia-se o princípio monárquico, pelo facto de o Rei deter ainda mais poderes do que aqueles que o poder executivo lhe conferia.
Mantém-se a ideia de monarquia limitada, onde apesar de todas as alterações, mantém o rei num lugar de destaque face à lei e a subordinação do povo à lei e ao seu soberano. 

v  Constituição de 1838 de 4 de Abril de 1838
Título I – Do Reino de Portugal, seu Território, Religião, Governo e Dinastia
Capítulo Único
Artigo 4º - O Governo da Nação Portuguesa é Monárquico-hereditário e representativo.

A terceira constituição nasce da revolução de setembro de 1836, abolindo a Carta Constitucional e fazendo entrar em vigor, por dois anos, a primeira constituição. Em 1838 é, então, publicada. Desaparece o poder moderador, deu ao rei o direito de veto absoluto e instituiu a descentralização administrativa. Nesta época, estava no trono D. Maria II, filha de D. Pedro IV.   

v  Constituição de 1911 de 21 de Agosto de 1911
Título I – Da Forma do Governo e do Território da Nação Portuguesa
Artigo 1º - A Nação Portuguesa, organiza em Estado Unitário, adota como forma de governo a República, nos termos desta Constituição.

Naquela que foi a primeira constituição republicana portuguesa, a Constituição de 1911 teve como fontes a Constituição Brasileira de 1891 e o programa do Partido Republicano Português.
Apesar de ter durado por 100 anos, muitos historiadores afirmam que a única mudança verdadeira foi a passagem do rei para presidente.
Nesta fase, o poder legislativo cabia ao Congresso da República que se dividia na Câmara dos Deputados e no Senado. O poder executivo pertencia ao Presidente da República e aos Ministros, estando o poder judicial sujeito aos tribunais.

v  Constituição de 1933
Título VII – Da Ordem Política, Administrativa e Civil
Artigo 22º
Os funcionários públicos estão ao serviço da coletividade e não de qualquer partido ou organização de interesses particulares, incumbindo-lhes acatar e fazer respeitar a autoridade do Estado.

A Constituição que prevaleceu durante o período de Estado Novo entrou em vigor em 1933 e teve como influências a Constituição de 1911, a Carta Constitucional e as Constituições alemãs de 1871 e 1919.
Este tipo de constituição, como já foi referido, coloca a ênfase no coletivo, levando para segundo plano as necessidades individuais. Neste sentido, penso que, o ideal do princípio da legalidade encontra-se mais distante do que nas constituições anteriores.

v  Constituição de 1976
É na Constituição de 1976, ainda vigente em Portugal, que se consagra o princípio da legalidade.

Título IX Administração Pública
Art. 267º (princípios fundamentais)
2. Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar com justiça e imparcialidade no exercício das suas funções.

No nº 2 do artigo 266º da CRP encontram-se vários princípios que em conjunto com os princípios inscritos no nº 1 dão origem ao que se costuma chamar como medidas materiais da juridicidade administrativa. Isto significa que, para além destes princípios elencados, há lugar a outros.
Para além da subordinação à Constituição como fonte máxima de direito nacional, há também o dever de subordinação à lei e com isto ao princípio da legalidade que compreende duas dimensões: em sentido negativo (ou primado da lei) e em sentido positivo (ou precedência de lei).
O princípio da legalidade em sentido negativo abrange todos os tipos de administração (central, regional e local; direta, indireta e independente; coativa, prestadora, reguladora ou de supervisão) e a atividade administrativa, sob pena de gerar ilegalidade.
Esta primeira configuração do princípio da legalidade foi gerada pelo período liberal, onde o limite à atuação administrativa era a lei (parlamentar), que tinha por objetivo a proteção dos direitos das particulares. Isto deveu-se ao facto de coexistirem, na época, dois tipos de legitimidade. Por um lado, a legitimidade do poder executivo que, pela figura do rei, era uma legitimidade hierárquica e, por outro, a legitimidade do poder legislativo, representado pelo Parlamento, que era uma legitimidade democrática. Desta forma, a Administração Pública está submetida “às ordens do soberano, depende hierarquicamente dele, e por isso pode fazer tudo aquilo que ele lhe ordenar, exceto o que for proibido através de lei votada no Parlamento”.[4] 
No entanto, parece não ser tão claro, nas notas nos professores Gomes Canotilho e Vital Moreira, a abrangência do princípio da legalidade em sentido positivo.
“É controvertido saber se ele vale em igual medida e com igual intensidade para a administração coativa e para a administração de prestações e hoje, ainda, para a administração de garantia”.
Reflete-se também sobre a ideia de que talvez a Constituição fosse vista como lei, falando-se em execução imediata ou direta ou constituição.
Lei refere-se num sentido amplo, englobando lei da Assembleia da República, decretos-leis, decretos-legislativos regionais, como também as normas de direito internacional e direito europeu. (art. 8 CRP). Juntam-se a estes a vinculação aos próprios regulamentos administrativos competentes. Neste seguimento, há a ressalvar que o princípio da legalidade funda-se no princípio da juridicidade da administração, pois, neste sentido, todo o direito é fundamento e pressuposto da atividade da Administração.

A presente Constituição sofreu algumas revisões constitucionais.

1.       Lei constitucional nº 1/82 de 30 de Setembro
§  Artigo 198:
Os artigos 266º e 267º passam a constituir, respetivamente, os novos artigos 265º e 266º.
2.       Lei constitucional nº 1/89 de 8 de Julho
§  Artigo 173:
O nº 2 do artigo 266º é substituído por:
2. Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade.
3.       Lei constitucional nº 1/92 de 25 de Novembro – sem alterações
4.       Lei constitucional nº 1/97 de 20 de Setembro
§  Artigo 180:
Ao nº2 do artigo 266º da Constituição é aditada, in fine, a expressão “e da Boa-Fé”
5.       Lei constitucional nº 1/2001 – sem alterações
6.       Lei constitucional nº 1/2004 – sem alterações
7.       Atual texto da Constituição
Art. 266º – Princípios Fundamentais
1.       A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
2.       Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.

O princípio da legalidade, tal como o próprio Direito Administrativo, são relativamente recentes e isso é possível de ser verificado pela análise aos textos constitucionais. Todos eles fizeram parte de momentos importantes da história política não só do nosso país, mas da Europa. No fundo, acabámos por seguir os modelos que foram surgindo nos países vizinhos, aplicando-os à nossa realidade.
Apesar de, nos dias de hoje, ser consciente que a atividade administrativa deva proceder conforme a lei em sentido amplo e que os interesses dos particulares devem ser garantidos, esta ideia nem sempre foi um dado adquirido. Na realidade, isso só ficou presente há 40 anos com a Revolução de Abril. O longo período desde o liberalismo, passando pela República, até ao Estado Novo privou os particulares de verem os seus direitos garantidos. Ou ainda, a preocupação em dar lugar ao indivíduo na vida social, económica e política foi feita paulatinamente ao longo das décadas. Exemplo concreto disso foi a evolução do sufrágio.
E, mesmo em 40 anos, houve necessidade de alterar a configuração do artigo que consagra o princípio da legalidade na Administração Pública, pelo que se conclui que muito caminho ainda há a percorrer sobre os direitos dos particulares perante a atuação do Estado.

Isabel Rodrigues nº 15613


[1] História das Ideias Política, Diogo Freitas do Amaral, pág. 221
[2] Direito Administrativo Geral, Tomo I, Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos, 1ª edição, pág. 153
[3] Vieira de Andrade, O Ordenamento Jurídico Administrativo, pág. 40
[4][4] Curso de Direito Administrativo, Diogo Freitas do Amaral, 4ª edição, Vol. II, Pág. 45 
DO REGIME DOS PARECERES NO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO
O Código do Procedimento Administrativo (doravante CPA), aprovado pelo Decreto-Lei n.o 4/2015, de 07 de janeiro tem no seu seio, artigos, nomeadamente os 91.º e 92.º, dedicados ao regime jurídico dos pareceres, sendo que o mesmo regime é também citado no Título I (regime comum) da Parte III que se prende com a questão do procedimento administrativo. Ambos os artigos reproduzem o texto de artigos do CPA revogado; a saber, no caso do artigo 91.º do CPA, o 98.º e, no que se reporta ao artigo 92.º, os n.os 1, 3 e 5 repetem o texto (com ligeiras modificações) do artigo 99.º, n.os 1 a 3 do CPA revogado. Os incisos 2, 4 e 6 do artigo 92.º do CPA apresentam inovações em matéria parecerística.
Os pareceres são estudos documentados sobre questões científicas, técnicas ou jurídicas, cuja elaboração é da responsabilidade de órgãos administrativos por determinação da lei ou do órgão responsável pelo procedimento.  Concomitantemente, a emissão dos pareceres resulta da prerrogativa de um órgão administrativo de ter poderes de administração consultiva, e cujo exercício é feito no âmbito de um procedimento administrativo, enquanto trâmite necessário ou facultativo para a tomada da decisão sobre um determinado assunto pelo órgão da administração ativa. 
Como veremos adiante os pareceres previstos em lei, consubstanciando-se como trâmite de formação do ato conclusivo do procedimento, tomam a configuração de "pareceres oficiais", mas tal facto não impede o órgão responsável pelo procedimento de solicitar a sua emissão a trabalhador em funções públicas, impelindo, destarte, a criação de um ato instrutório. Na verdade, a relação jurídica de emprego público soçobrará, no exercício da função consultiva, quando o trabalhador atue no procedimento para o desenvolvimento de funções no âmbito das atribuições, competências e atividades reservadas – obrigando-o a ter vínculo de emprego constituído por nomeação, integrando uma carreira especial ou geral. A emissão de pareceres, em atividades não reservadas, deve ser exercida por trabalhadores integrados na carreira de técnico superior, porquanto é a estes que funcionalmente compete a elaboração de pareceres.
Quando se fala em pareceres, cumpre, numa primeira instancia, distinguir entre pareceres obrigatórios e não obrigatórios e pareceres vinculativos e não vinculativos, devendo a leitura do seu regime ser interpretada conjuntamente. Vejamos,
Por pareceres obrigatórios entende-se os que são exigidos por lei, sendo os restantes pareceres – e por maioria de razão – não obrigatórios. Estes, na circunstância de terem sido emitidos por órgãos administrativos comportam-se como "pareceres oficiais", sobressaindo em sede de fundamentação dos atos administrativos, mas revelando-se ineficazes para o efeito de contagem dos prazos decisórios.
Já no que diz respeito aos pareceres vinculativos, há a considerar que determinam que as suas conclusões tenham de ser seguidas pelo órgão decisor, sendo os que manifestam procedimento diverso, não vinculativos.
Quanto aos pareceres obrigatórios e vinculativos, e porque são exigidos por lei, veem as suas conclusões constituir-se como determinantes do conteúdo do ato final do procedimento. Por outro lado, comportamento distinto têm os pareceres não obrigatórios e vinculativos uma vez que, por não serem exigidos por lei, é a sua emissão que vai determinar o conteúdo do ato final do procedimento.
No que respeita aos pareceres obrigatórios e não vinculativos, cumpre dizer que, embora sejam exigidos por lei, as suas conclusões não obrigam, contudo, o órgão decisor a atendê-las para proceder à definição da situação jurídica a regular pelo ato conclusivo do procedimento. 
Finalmente, quanto aos pareceres não obrigatórios e não vinculativos cumpre declarar que não são exigidos mas permitidos por lei, e a sua emissão não vincula o órgão decisor na formação do ato conclusivo do procedimento. 
Os pareceres podem ser absoluta ou relativamente obrigatórios, atendendo aos efeitos produzidos no procedimento em que uma norma legal exige a sua emissão, pela violação do prazo para a sua pronúncia; assim, os pareceres absolutamente obrigatórios são os exigidos por lei e cuja omissão da emissão, no prazo legalmente previsto, impede a adiamento da decisão final do procedimento; já os pareceres relativamente obrigatórios, embora exigidos por lei, ditam que a sua não emissão no prazo legalmente previsto, não impede o prosseguimento do procedimento (pareceres declarativos) ou determina a obrigatoriedade da emissão do ato conclusivo do procedimento (pareceres constitutivos).
Em termos de pareceres vinculativos podem os mesmos determinar o conteúdo do ato conclusivo do procedimento, independentemente do sentido da pronúncia efetuada com a consulta (procedimento vinculativo geral), ou «apenas quando as conclusões do mesmo determinam a emissão de um ato conclusivo positivo ou negativo do procedimento» (procedimento vinculativo especial ou conforme). 
Assim entendido, percebe-se a validade do verdadeiro poder decisório que assiste à entidade que emite o parecer totalmente vinculativo, já que o seu parecer tem um efeito conformativo na decisão final, id est, ao órgão principal não lhe restará senão respeitar o parecer elaborado, quer ele seja favorável, quer seja desfavorável. Quanto aos pareceres parcialmente vinculativos, dir-se-á que consistem na pronúncia sobre apenas alguns aspetos presentes na pretensão formulada pelo órgão decisor.
Por regime comum dos pareceres entendemos aquele regulado no CPA, devendo as disposições contidas em outras leis, que regem de forma diversa, ser vistos com o estatuto de regimes especiais. Naquele normativo, os pareceres aí previstos ou em legislação especial são pareceres obrigatórios e não vinculativos (cfr. artigo 91.º, n.o 2 do CPA). Assim, para que o parecer se assuma como parecer não obrigatório ou de parecer vinculativo cumpre atentar na existência no ordenamento jurídico de norma que expressamente preveja esse regime.
Não há uma posição consensual no que à natureza dos pareceres obrigatórios e vinculativos diz respeito; efetivamente, o recurso à doutrina estrangeira, particularmente à italiana tem acontecido como instrumento capaz de desvendar o caráter de que são revestidos os pareceres vinculativos; deste modo, há a evidenciar que pareceres são simples atos instrumentais, que, porque praticados numa fase preparatória, não são passíveis de impugnação, porquanto o seu formato de atos auxiliares não lhes assegura a suficiente autonomia funcional. No que toca aos pareceres vinculativos, assumem a qualidade de atos híbridos por orientarem (e pré-fixarem) o conteúdo da decisão final; não obstante, não são recorríveis dado que ainda se inserem numa fase preliminar ao ato final. Relativamente aos pareceres revestidos de vinculatividade são «autorizações à prática do ato final, na medida em que a atividade da entidade consulente está dependente do parecer solicitado, o qual deve seguir».  Por seu turno, a doutrina portuguesa também expõe as suas reflexões a este propósito: os pareceres, mercê da sua qualidade vinculante, são atos jurídicos dotados de autonomia funcional, e, por conseguinte, capazes de gerar efeitos jurídicos externos imediatos, daí advindo a recorribilidade, característica que os destrinça dos demais tipos de pareceres. Assim, o critério principal para apurar a natureza de um parecer vinculante encontra o seu ponto vital na lesividade que é capaz de causar ao interessado. De fixar ainda que o ato final não pode ser praticado sem que o órgão consultado tome uma posição prévia que o órgão consulente terá de acatar. Finalmente, um parecer vinculativo, é um verdadeiro ato definitivo na medida em que impele a entidade consultante a homologar as propostas que dele constem, que carece dessa homologação para se tornar executório. Pelo exposto, subjacente à natureza de um parecer obrigatório e vinculativo, está um ato definidor da posição do órgão consulente cuja decisão final está comprometida com a força jurídica deste tipo de pareceres. Por conseguinte, pode afirmar-se que dado o ónus que um parecer desta natureza assume sobre a decisão final, ele ultrapassa os meros atos instrumentais ou preparatórios, revestindo-se de uma autonomia funcional, capaz de fazer dele um ato recorrível, face à lesão que é passível de provocar no destinatário do ato do decisor final.
A solicitação de consulta cabe ao órgão competente, que é o órgão responsável pelo procedimento; no momento procedimental apropriado (de notar que o CPA não fixa um prazo para a consulta, podendo ser estipulados em regimes especiais) cumpre-lhe solicitar a emissão dos pareceres aos órgãos competentes para garantir a tomada da decisão final do procedimento dentro do prazo legal de decisão do mesmo (cfr. o artigo 92.º, n.o 2, conjugado com os aa. 56.º, 58.º e 59.º, todos do CPA). A omissão daquele procedimento, determina a contaminação do ato conclusivo por um vício de forma.
Ao órgão consulente cumpre assegurar que o órgão consultado emita o parecer no prazo de 30 dias, salvo quando por norma especial ou por razões objetivas (quando o órgão consultado solicite a prorrogação do prazo de emissão do parecer) o parecer deva ser emitido em prazo inferior ou superior, não podendo todavia fixar prazo inferior a 15 dias e superior a 45 dias (cfr. o artigo 92.º, n.os 3 e 4 do CPA). O encurtamento do prazo regra, se não fundamentado pelo órgão consulente, não vincula o órgão consultado, permitindo-lhe a emissão do parecer no prazo de 30 dias.
Caso se esteja perante um parecer obrigatório (artigo 92.º, n.o 5 do CPA), a omissão da emissão do parecer, determinará a continuação do procedimento; se porventura se tratar de pareceres não obrigatórios tal infere-se do normal decurso do procedimento. Da lei resulta a afirmação dos pareceres como trâmites ordenadores do procedimento, não se concretizando como trâmites perentórios, atendendo à «possibilidade de continuação do procedimento, pela sua omissão, e consequente emissão do ato conclusivo do procedimento». Por conseguinte, a omissão do parecer solicitado no prazo devido, embora violador do dever de pronúncia do órgão consultado, parece apontar no sentido de uma mera "irregularidade".
Neste âmbito, encontra-se a questão dos pareceres tardios, ou seja, os pareceres emitidos findo o prazo para a sua emissão. O legislador admitiu a possibilidade de adiamento do ato conclusivo do procedimento, findo o prazo para a emissão do parecer. Assim, tratando-se de um parecer não obrigatório, ao órgão decisor cabe cumprir o dever de decidir o caso concreto, mesmo face à omissão do parecer. Nesta mesma circunstância, a saber, o esgotar do prazo para a sua emissão e em caso de parecer obrigatório ou vinculativo pode o órgão decisor decidir o procedimento, mas, não tendo ainda emitido o ato conclusivo do procedimento, nada impede o acolhimento do parecer tardio na sua formação. Dito de outra forma, «salvo disposição em contrário, o dever de emissão do parecer não se consome, com o esgotar do prazo para a sua emissão, mas permite que o órgão decisor, entretanto já tenha emitido o ato conclusivo do procedimento, a quando do recebimento do parecer tardio».
Ao órgão consultado que possui competência consultiva (artigo 37.º do CPA) cumpre a emissão de parecer no prazo legal ou no prazo fixado pelo órgão consulente. Nesse sentido, a solicitação de tal emissão de parecer obrigatório será levada em conta em sede de contagem do prazo para a decisão do procedimento. O legislador estipulou que o prazo regra de 90 dias para a decisão dos procedimentos de iniciativa particular (artigo 128.º, n.o 1 do CPA) se conta a partir da data da entrada do requerimento no serviço competente, a não ser que, por disposição especial, se imponha o cumprimento de formalidades especiais para a fase preparatória da decisão e fixe prazo para a sua conclusão (artigo 128.º, n.o3 do CPA). Neste contexto, o parecer obrigatório assume-se como uma "formalidade essencial", pelo que quando a lei determine a emissão de parecer obrigatório – e não fixe prazo especial –, dever-se-á entender que o prazo de 90 dias para a decisão do procedimento iniciar-se-á com o esgotar do prazo de 30 dias para a emissão do parecer. 
O conteúdo dos pareceres deve ser fundamentado de facto e de direito, responder expressamente a todas as questões indicadas na consulta, apresentando, para tanto, conclusões (artigo 92.º, n.o 1 do CPA). Não se descurou o facto de o órgão decisor do procedimento poder restringir a fundamentação do ato administrativo ao conteúdo do parecer, pela aposição da declaração de concordância (artigo 153.º, n.o 1 do CPA). A fundamentação veiculada estritamente por adesão ao parecer não será aceitável quando aquele sustente "opiniões divergentes quanto a verificação dos respectivos pressupostos ou, então, quando se referir a opinião que tiver ponderado e criticado as razões da opinião contrária" ou quando se socorra o ato administrativo de vários pareceres e informações, "não sendo tais elementos inteiramente coincidentes". O parecer fundamentado em bases pouco consistentes, quando acolhido pelo ato administrativo, determina a ilegalidade deste, por falta de fundamentação (artigo 153.º, n.o 2 do CPA).
Nas situações em que o órgão consultado tenha a natureza de órgão colegial as deliberações são acompanhadas das declarações de voto (artigo 35.º, n.o 3 do CPA).
Aos titulares dos órgãos da Administração e os respetivos agentes fica vedada a possibilidade de intervenção em procedimento administrativo ou em ato, quando tenham dado parecer sobre a questão a resolver (artigo 69.º, n.o 1, alínea d) do CPA), a menos que tenham praticado a competência consultiva na qualidade de membro do órgão colegial, e a emissão do parecer esteja prevista na norma aplicável (artigo 69.º, n.o 2, alínea b) do CPA).
Para lá da questão da fundamentação do parecer outro aspeto deve merecer reflexão: a imparcialidade a que o órgão consultado está obrigado. O órgão consultado não pode em circunstância alguma ser induzido a opinar da forma que eventualmente a Administração gostaria, tal como é inconcebível que sobre ele a Administração tenha qualquer supremacia, capaz de coagir ou submeter o órgão consultivo a si. Deste modo, a única relação passível de existir entre a entidade decisora e a entidade consultiva é uma relação de cooperação e colaboração.

Ariana Nunes Paraíso, nº 22253


DA ANULAÇÃO ADMINISTRATIVA NO NOVO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO

No comentário que ora se apresenta, e tal como o próprio título prefigura, tentaremos analisar a figura da anulação administrativa, figura que, registe-se, exibe uma significativa inovação, introduzida pelo legislador; por este motivo, e para se ter uma visão cabal das inovações trazidas pelo CPA de 2015, sempre que se considerar oportuno ou necessário recorreremos ao postulado no regime do CPA de 1991, anteriormente vigente.
A primeira inovação digna de monta que nos traz a anulação administrativa anuncia-se logo na sua denominação que se concretiza na autonomização da segunda das duas modalidades da revogação dispostas no CPA de 1991; a saber, a revogação de atos válidos, por um lado, e a revogação de atos inválidos, por outro. Assim, o que no CPA de 1991 funcionava como uma figura própria da revogação (entenda-se, “a revogação de atos inválidos”) passa, agora, a constituir uma “espécie” autónoma, reconduzindo-se a outro conceito distinto: a tradicional “revogação anulatória” deixa, a partir deste momento, de representar legalmente uma verdadeira e própria revogação.
De facto, e nas palavras de MARCO CALDEIRA, à luz do novo CPA, a revogação passa a incluir unicamente a prática de atos com vista à cessação dos efeitos de atos “por razões de mérito, conveniência ou oportunidade”, sendo a anulação administrativa, por seu turno, definida como “o ato administrativo que determina a destruição dos efeitos de outro ato, com fundamento em invalidade[1].
É o próprio legislador quem assume esta alteração de denominação como pretendendo essencialmente seguir a “generalidade da doutrina dos países europeus”, confissão esta que mereceu acesas críticas por parte de diversos Autores mormente pelo seu “sentido claramente estrangeirizante” ou  por ser um caso – de  “rutura com a longa tradição existente no Direito Administrativo português” , entre outras[2].
O objeto da anulação administrativa, consubstancia-se, desde logo na sua definição que o mesmo há-de ser um “outro ato”, obviamente “inválido”, uma vez que só assim se constitui como uma verdadeira anulação e não como uma revogação. Porém, à semelhança do que já dispunha o CPA de 1991, também o novo CPA prevê a impossibilidade de anulação de determinados atos inválidos por parte da Administração. Então, e atendendo ao constante no artigo 166.º, n.º 1 do CPA, não podem ser objeto de anulação administrativa (nem de revogação) os atos nulos, os atos anulados contenciosamente e os atos revogados com eficácia retroativa. Na base desta disposição legal está a própria natureza das coisas e assume os seguintes contornos: quanto aos atos nulos, a explicação reside no facto de, atendendo ao desvalor de que enfermam, tais atos não produzirem quaisquer efeitos jurídicos, pelo que não podem ser destruídos[3]: daí não poderem ser alvo de anulação administrativa (ou judicial) mas apenas e só objeto de declaração de nulidade; no que respeita aos atos anulados contenciosamente e aos atos revogados com eficácia retroativa não podem ser anulados porque os efeitos que produziram não só já cessaram como foram expurgados do ordenamento jurídico com eficácia retroativa, tudo se passando, portanto, em princípio, como se tais atos nunca tivessem sido praticados[4].
Deste modo, só os atos que sejam ilegais, mas que sejam meramente anuláveis, podem ser passíveis de anulação administrativa, com vista à destruição dos seus efeitos, ou dito de outra forma, a anulação apenas pode incidir sobre atos anuláveis, e não sobre atos nulos. Nesta sequência, vale a questão sobre se nos atos (ou nos casos) a que se refere o artigo 163.º, n.º 5 do CPA, para além dos apontados no artigo 166.º, n.º 1, estamos perante situações de “insusceptibilidade” (ou impossibilidade legal) de anulação administrativa. Há ainda a considerar três situações em que “não se produz o efeito anulatório”, a saber, o conteúdo do ato anulável não possa ser outro, por o ato ser de conteúdo vinculado ou por a apreciação do caso concreto apenas permitir identificar uma única solução como legalmente possível; o fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido alcançado por outra via; ou quando se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício que o torna anulável, o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo, isto após a configuração da anulabilidade como desvalor-regra (e, simultaneamente, residual, por exclusão de partes) e do estabelecimento de  que o ato anulável produz efeitos jurídicos, que podem ser destruídos com eficácia retroativa mediante anulação administrativa ou judicial. Considera-se, aqui, o princípio do aproveitamento do ato administrativo, aqui disposto como forma de limitação da anulação. O que não deixa de suscitar alguma surpresa, porquanto a escolha do legislador vai no sentido de optar por tal princípio e a dar-lhe foro de lei, isto é, estamos perante uma auto-derrogação legislativa.
Este facto é tanto mais surpreendente uma vez que a própria jurisprudência administrativa tem vindo, nalgumas ocasiões, a tentar restringir as possibilidades da sua invocação por parte da Administração, tendo mesmo o Supremo Tribunal Administrativo, afirmado que, Estando as entidades públicas subordinadas ao princípio da legalidade (art.º 266, n.º 2, da CRP e art.º 3 do CPA) é seu dever estrito cumprir escrupulosamente aquela determinação legal, e não colocar-se, como se verifica amiudadas vezes, (...), numa posição marginal ao escolher, arbitrariamente, as situações em que cumpre e aquelas outras em que decide não cumprir, para depois vir invocar princípios jurisprudenciais[5].
Outro aspeto que causa alguma estranheza prende-se com a identificação dos destinatários-aplicadores deste princípio. Deve considerar-se, ainda, malgrado ser contrário ao que tantas vezes é afirmado na jurisprudência, o princípio do aproveitamento do ato “[n]ão é um princípio processual”. Além disso, não só o preceito em causa abrange os Tribunais Administrativos e a Administração como o número anterior ao que consagra tal princípio se dirige unicamente à Administração: ora, a sequência e ordenação sistemática dos preceitos, não sendo elementos decisivos, apresentam-se como sugestivos o que, concomitantemente, coloca a dúvida sobre se também a Administração será destinatária-aplicadora do princípio em causa.
O artigo 169.º, n.º 1 do CPA refere que a iniciativa da anulação administrativa pode ser levada a cabo oficiosamente, por iniciativa espontânea da Administração, ou na sequência de pedido nesse sentido formulado por interessados. No segundo caso, o pedido de anulação pressupõe uma reclamação ou recurso administrativo: se a lei confere aos interessados o direito de impugnar os atos administrativos perante a Administração, nomeadamente solicitando a sua anulação, impõe que tal direito seja exercido mediante reclamação ou recurso, consoante os casos.
No que toca à competência, o artigo 169.º do CPA afirma que são competentes para proceder à anulação administrativa o órgão que o praticou e o respetivo superior hierárquico (n.º 3); o órgão delegante ou subdelegante, bem como o delegado ou subdelegado, relativamente a atos praticados ao abrigo de delegação ou subdelegação de poderes (n.º 4); o órgão que exerça poderes de superintendência ou de tutela sobre o órgão autor do ato, mas isto apenas quando a lei expressamente o permita (n.º 5); o órgão competente para a prática do ato, nos casos de atos administrativos praticados por órgão incompetente (n.º 6).
Em termos de forma e de formalidades da anulação administrativa, o CPA é relativamente parcimonioso, estabelecendo, um princípio de paridade ou equiparação de formas (entre o ato anulado e o ato que procede à sua anulação).  Assim, e salvaguardado o disposto em norma especial, tal ato deve assumir a forma legalmente prescrita para o ato anulado, sendo que, atendendo a situações legalmente previstas, o ato de anulação administrativa deve observar a mesma forma adotada pelo ato anulado.
Quanto às formalidades, o princípio da paridade ou da equiparação não é levado tão longe, uma vez que o CPA mas apenas as “que se mostrem indispensáveis à garantia do interesse público ou dos direitos e interesses legalmente protegidos dos interessados”; tal posição, por nem sempre ser óbvia a identificação das formalidades “indispensáveis” em cada caso, conduz, em última instância, a alguma insegurança.
O aspeto mais relevante do regime da anulação administrativa no novo CPA, e o que na sua essência mais se distancia do regime legal da revogação anulatória previsto no artigo 141.º do CPA de 1991, encontra-se no artigo 168.º, que consagra uma multiplicidade de prazos nos quais um ato administrativo pode ser anulado pela Administração. Com efeito, se é certo que “[o]s atos anuláveis [só] podem ser anulados pela Administração nos prazos legalmente estabelecidos”, a verdade é que tais prazos, como se verá, atendem a uma multiplicidade de fatores, como o vício que inquina o ato, o facto de estarmos (ou não) perante um ato constitutivo de direitos, a circunstância de o ato ter ou não sido impugnado jurisdicionalmente ou a boa ou má fé do beneficiário do ato[6].
Da análise dos prazos gerais prefigurados nos nos 1 a 4 do artigo 168.º, em articulação com outros aspetos, resulta a perceção de algumas conclusões relativamente a este normativo e que a seguir se explanam. Vejamos,
Numa primeira instância, há a registar que o legislador consagrou um prazo de seis meses para a Administração anular um ato anterior, o que faz depender o início da contagem desse prazo, já não da data da sua prática, mas sim da data do conhecimento da causa da sua invalidade por parte do órgão competente ou, nos casos de invalidade resultante de erro do agente, da data da cessação desse erro
Outra conclusão respeita ao valor atribuído pelo legislador à boa-fé do particular, vendo-a como elemento a ter em conta no decurso e na contagem do prazo para a consolidação do ato de que aquele é destinatário e, tal como no ponto anterior o modelo inspirador foi a Lei do Procedimento Administrativo Alemã. Aí também está presente a ideia de que o particular não pode contrapor à anulação a sua confiança na manutenção do ato se o mesmo foi obtido através de engano doloso, ameaça ou suborno ou com base em dados no essencial inexatos ou incompletos, bem como quando o particular conhecia a invalidade do ato ou não a conhecia por culpa grave, defendendo-se a ideia de que “o valor da segurança jurídica apenas deve ser prosseguido para proteção da confiança do administrado na atuação da Administração, e não para premiar fraudes ou consolidar o resultado de crimes perpetrados pelo administrado!”.
Outra inferência prende-se com a compatibilização do regime de revogação anulatória estabelecido no ordenamento jurídico interno face ao Direito da União Europeia, necessária e nascida da constatação de há muito que percebia que «o regime nacional da revogação de atos administrativos era incompatível com as exigências europeias nesta matéria». O Direito da União Europeia impõe-se às Administrações nacionais e assim, se um ato administrativo violar uma norma europeia, o seu prazo de revogação/anulação será determinado pelo Direito da União Europeia e não pelo Direito interno do Estado-membro.
A circunstância de um ato ter sido objeto de impugnação contenciosa e o processo judicial ainda se encontrar a correr os seus termos, sem que o Tribunal de primeira instância se tenha ainda pronunciado sobre o mérito da pretensão anulatória e o subsequente alargamento do prazo para a anulação administrativa, prende-se com outra dedução relevante. O que estava previsto no artigo 141.º, n.º 1 do CPA de 1991[7], deu lugar ao postulado no artigo 168.º, n.º 3 do novo CPA, isto é, permite que a anulação administrativa tenha lugar até ao “encerramento da discussão”, o que clarifica uma questão controversa que se colocava a propósito da articulação entre o artigo 141.º, n.º 1 do CPA e o artigo 64.º, n.º 1 do CPTA, considerando-se, por isso que, neste aspeto o legislador consagrou “a melhor opção”.
Noutro sentido, este CPA materializando a combinação de múltiplas variantes, revela-se muito mais complexo do que o regime do CPA de 1991, complexidade essa incontornável no seio de um regime que se pretende mais amplo, mas portadora de graves inconvenientes para a segurança jurídica, tanto mais quando lidamos com uma matéria desejavelmente objetiva e transparente.
Outra apreciação a destacar é indissociável da ênfase do regime da anulação administrativa do novo CPA assentar na maior dificuldade na consolidação dos atos administrativos, mesmo os constitutivos de direitos[8], com o consequente aumento da Administração dita “agressiva” e o inevitável enfraquecimento da esfera jurídica dos interessados.
Ainda que não tendo e conta a posição e tutela dos interessados , pode entender-se como consensual que a possibilidade de a Administração, regra geral, poder anular atos que já se tornaram insuscetíveis de impugnação contenciosa e dentro de um prazo máximo que pode ir até cinco anos, viabiliza uma instabilidade constante na definição das situações jurídicas reguladas ou afetadas por cada ato administrativo, sobretudo atendendo a que não é emergente à decisão de anulação uma ponderação de interesses, um reconhecimento de efeitos produzidos pelo ato anulado, que apenas os danos anormais provocados pela anulação são indemnizáveis e que não foi contemplada qualquer norma transitória que acautelasse as situações já existentes à data da entrada em vigor do CPA e que, por conseguinte, tais prazos se aplicam também “aos atos administrativos que, expressando relações jurídicas de execução continuada, ainda hoje produzem efeitos[9]. Justificável que possa ser este alargamento significativo dos prazos e situações em que é permitida a anulação administrativa com base no princípio da legalidade, há que afirmar que, por um lado, também outros princípios, como os da proteção da confiança e da segurança jurídica, gozam de dignidade constitucional idêntica à daquele primeiro princípio e, por outro lado, tal relevo da proteção da legalidade e na reconstituição do ordenamento jurídico violado não tem apresentação coerente ao longo de todo o CPA, menos considerável pela manutenção da anulabilidade como desvalor-regra do ato administrativo ilegal ou pela ausência de consagração expressa de um dever de anulação do ato, mas sobretudo pela consagração expressa do princípio do aproveitamento do ato administrativo (cfr. artigo 163.º, n.º 5)[10] e, ainda mais, pela eliminação das chamadas “nulidades por natureza”, mediante a supressão da cláusula geral de nulidade anteriormente prevista no artigo 133.º, n.º 1 do CPA de 1991.
Falando da anulação administrativa, há a considerar os efeitos retroativos por si produzidos, eliminando todos os efeitos produzidos pelo ato anulado desde o momento da sua prática. Daí resulta que os atos anulatórios gozem de uma retroatividade natural ou por natureza, de acordo com o princípio da legalidade.  A anulação de um ato só é pertinente se se pretende destruir os seus efeitos; se estes efeitos já cessaram, a anulação só se compreende se for retroativa, abarcando os efeitos passados do ato, buscando a reconstituição da situação que existiria caso aquele ato nunca houvesse sido praticado. No entanto, o CPA admite que a anulação não tenha eficácia retroativa quando houver lugar ao estabelecimento de uma solução diferente, em “disposição especial”, ou no caso de o autor da anulação determinar, na própria decisão, atribuir à anulação eficácia meramente para o futuro, se o ato se tiver “tornado inimpugnável por via jurisdicional”.
Neste quadro legal a Administração detém uma maior capacidade de delinear os efeitos do ato anulatório em função das circunstâncias do caso concreto e, em virtude disso, apresentar uma solução materialmente mais justa do que um esquema rígido que impusesse, sempre e em qualquer caso, a todo o custo, a retroatividade na anulação administrativa, atendendo, contudo, à impossibilidade de a anulação ter sempre efeitos retroativos o que, neste particular, acaba por aproximar as figuras da anulação administrativa e da revogação stricto sensu.
Em termos de consequências da anulação administrativa, uma crítica é apontada ao legislador. Com efeito, a sua regulação é apelidada de pouco original e na sua essência replicadora do teor artigo 173.º do CPTA[11]. A “duplicação” de normas, parece estar subjacente à pretensão de o legislador enfatizar que, no caso de anulação de um ato administrativo, as consequências inerentes são fundamentalmente idênticas, independentemente daquela resultar de um ato da própria Administração ou de decisão jurisdicional proferida por um Tribunal administrativo e transitada em julgado[12].
Destarte, o nº1 do artigo 172.º do CPA prefigura que a anulação administrativa constitui a Administração, numa primeira via, no dever de reconstituir a situação que existiria caso o ato anulado não tivesse sido praticado e, bem assim, no dever de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento naquele ato, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado[13].
Não obstante, a lei também aponta para o facto de à Administração assistir a possibilidade de praticar um novo ato administrativo, quer por via da ratificação, reforma ou conversão do ato anteriormente praticado, quer pela alteração desse ato ou pela sua substituição[14] por um ato válido com o mesmo conteúdo.
Noutro prisma, e perante o exposto, a anulação administrativa pode conduzir a que a Administração, em alguns casos, tenha o dever de indemnizar os interessados que tenham sido lesados em virtude do desaparecimento do ato anulado. Esta obrigação tem lugar em, pelo menos, dois casos distintos: no caso de anulação de um ato constitutivo de direitos e, em segundo lugar, a Administração deverá também indemnizar os beneficiários de boa-fé de atos consequentes (do ato anulado) praticados há mais de um ano, pelos danos que sofram em consequência da anulação.
De facto, o novo regime da anulação administrativa caracteriza-se, enfim, por, em determinados aspetos, prosseguir uma linha de continuidade com o regime da revogação (anulatória) prevista no CPA de 1991 e de, por outro lado, ostentar soluções de rutura que se revelam ao intérprete como desafios complexos. Ora, este é um quadro legal mais completo e mais complexo que aponta para o primado do «princípio da legalidade sobre a estabilidade das situações jurídicas».










[1] Cfr. CALDEIRA, Marco, A figura da “Anulação Administrativa” no novo Código de Procedimento Administrativo” de 2015, in COMENTÁRIOS AO NOVO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO, pág. 646
[2] Cfr. CALDEIRA, Marco, A figura da “Anulação Administrativa” no novo Código de Procedimento Administrativo” de 2015, in COMENTÁRIOS AO NOVO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO, pág. 647
[3] Cfr. CALDEIRA, Marco, A figura da “Anulação Administrativa” no novo Código de Procedimento Administrativo” de 2015, in COMENTÁRIOS AO NOVO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO, pág. 650
[4] Cfr. CALDEIRA, Marco, A figura da “Anulação Administrativa” no novo Código de Procedimento Administrativo” de 2015, in COMENTÁRIOS AO NOVO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO, pág. 650
[5] Cfr. AcSTA de 5 de março de 2009
[6] Cfr. CALDEIRA, Marco, A figura da “Anulação Administrativa” no novo Código de Procedimento Administrativo” de 2015, in COMENTÁRIOS AO NOVO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO, pág. 657
[7] Os atos administrativos que sejam inválidos só podem ser revogados com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respetivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida
[8] Cfr. CALDEIRA, Marco, A figura da “Anulação Administrativa” no novo Código de Procedimento Administrativo” de 2015, in COMENTÁRIOS AO NOVO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO, pág. 669
[9] Cfr. CALDEIRA, Marco, A figura da “Anulação Administrativa” no novo Código de Procedimento Administrativo” de 2015, in COMENTÁRIOS AO NOVO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO, pp.669 e 670
[10] Cfr. CALDEIRA, Marco, A figura da “Anulação Administrativa” no novo Código de Procedimento Administrativo” de 2015, in COMENTÁRIOS AO NOVO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO, pág. 670
[11] Cfr. CALDEIRA, Marco, A figura da “Anulação Administrativa” no novo Código de Procedimento Administrativo” de 2015, in COMENTÁRIOS AO NOVO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO, pág. 673
[12] Cfr. CALDEIRA, Marco, A figura da “Anulação Administrativa” no novo Código de Procedimento Administrativo” de 2015, in COMENTÁRIOS AO NOVO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO, pág. 673
[13] Cfr. CALDEIRA, Marco, A figura da “Anulação Administrativa” no novo Código de Procedimento Administrativo” de 2015, in COMENTÁRIOS AO NOVO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO, pág. 674
[14] De notar que esta substituição corresponde a uma renovação porquanto corrige os efeitos produzidos pelo ato anulável, bem como os respetivos atos consequentes.


Ariana Nunes Paraíso, nº 22253