Algumas considerações
acerca de discricionariedade imprópria
A discricionariedade consiste numa liberdade de
apreciação concedida a um órgão administrativo, permitindo que este escolha,
numa série de comportamentos possíveis, aquele que lhe pareça mais adequado à
satisfação da necessidade pública específica prevista na lei.
O processo de escolha por parte da administração terá de
ser ditado pelos princípios e regras gerais que vinculam a administração,
porque só deste modo se conseguiria constatar que se encontra a melhor solução
na prossecução do interesse público. Estes factos conduzem-nos à conclusão que
o Prof. Freitas do Amaral defende que o poder discricionário não é um poder
livre mas sim um poder jurídico. Desta forma, a lei ao atribuir a determinado
órgão poder discricionário pretende propositadamente que seja encontrada a
solução que concretize os princípios da boa fé, da imparcialidade, da
igualdade, proporcionalidade, etc.
Estamos portanto perante uma discricionariedade própria
quando nos encontramos perante uma posição em que a administração tem o poder
de tomar uma acção ou escolha sem estar devidamente limitada. Desta forma,
devemos falar também de uma discricionariedade imprópria, que são aquelas
situações em que a administração não se deva considerar autorizado a escolher
livremente entre várias soluções possíveis, mas antes obrigado a procurar a
única solução adequada que o caso comporta.
Nos casos de discricionariedade imprópria, a priori há
uma margem de apreciação, mas no momento decisório que o caso comporta haverá
apenas uma única solução adequada.
Existem para o prof. Freitas do Amaral três modalidades
de discricionariedade imprópria: a discricionariedade técnica, a liberdade
probatória e a justiça administrativa.
Casos há em que as decisões da Administração só podem ser
tomadas com base em estudos prévios de natureza técnica e segundo critérios
extraídos de normas técnicas. O “dever de boa administração”.
Duas observações complementares:
A primeira para sublinhar que a figura da discricionariedade
técnica, não se confunde com a liberdade probatória. Embora ambas se reconduzam
a um género comum – o da discricionariedade imprópria –, a verdade é que se
trata de espécies diferentes. Porque a discricionariedade técnica reporta-se à
decisão administrativa, ao passo que a liberdade probatória tem a ver com a
apreciação e valoração das provas relativas aos factos em que se há-de apoiar a
decisão.
Há, todavia, um caso limite, em que, por excepção a esse
princípio geral, a nossa jurisprudência admite a anulação jurisdicional de uma
decisão técnica de Administração: é a hipótese de a decisão administrativa ter
sido tomada com base em erro manifesto, ou segundo um critério ostensivamente
inadmissível, ou ainda quando o critério adoptado se revele manifestamente
desacertado e inaceitável. O Tribunal Administrativo pode anular a decisão
tomada pela Administração – embora não possa nunca substitui-la por outra mais
adequada.
A liberdade probatória, é quando a lei dá à Administração
a liberdade de, em relação aos factos que hajam de servir de base à aplicação
do Direito, os apurar e determinar como melhor entender, interpretando e
avaliando as provas obtidas de harmonia com a sua própria convicção íntima.
A Administração Pública, no desempenho da função
administrativa, é chamada a proferir decisões essencialmente baseadas em
critérios de justiça material.
A Administração Pública não pode escolher como quiser
entre várias soluções igualmente possíveis: para cada caso só há uma solução
correcta, só há uma solução justa.
Mas esta terceira modalidade, a justiça administrativa,
não é apenas a mistura entre liberdade probatória e discricionariedade técnica.
Há um terceiro ingrediente neste tipo de decisões da Administração Pública, que
faz a especificidade desta terceira categoria, e que é o dever de aplicar
critérios de justiça. Critérios de justiça absoluta, e de justiça relativa.
Nestes casos não há discricionariedade, porque não há
liberdade de escolha entre várias soluções igualmente possíveis, há sim uma margem
de livre apreciação das provas com obrigação de apurar a única solução
correcta.
Como consideração final podemos constatar que na
actualidade não se fala de discricionariedade imprópria nos termos que eram
detalhados antigamente. Sendo que, por exemplo, em casos de justiça
administrativa não estaremos nós face a um verdadeiro acto de
discricionariedade? A distinção tem interesse porque, tratando-se de figuras
cuja natureza jurídica é diferente da do poder discricionário, é perfeitamente
possível que no futuro elas venham a ter um regime jurídico diferente do regime
do poder discricionário.
Publicado por Lea da
Fonseca
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